segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

AGRIDOCE



- Sabe, eu nunca tive muita paciência.

Hoje ainda é segunda e me pergunto por que a sexta tarda tanto a chegar, me precipito pensando que dormir mais cedo ou trabalhar mais vai encurtar os dias e me fazer estar mais próximo daquele cheiro de bom dia, daquele afago no cabelo de boa noite, daquele pensamento perdido entre as paredes. Ouvir você ao telefone desenrolando histórias do nosso dia-a-dia nem se compara quando lhe pego levantando a sobrancelha caprichando naquele olhar de interesse infantil em nossos diálogos vampirescos maduros.

- Sabe aquele gosto de chocolate com eucalipto?

Agora faz lembrar-me das noites meio sacanas, mas que ainda assim são tão boas quanto um bom primeiro encontro, aquele fogo que pega rápido e se adentra em lençóis suados e grunhidos largos, pausados e declinados a uma reação imediata de êxtase, aquele lapso de perda de memória e tempo, tempo descompassado e que passa de imediato, e quando volta ao momento se pega pensando que aqueles minutos na verdade foram horas e horas, e então nos tornamos campeões de um vaga competição de entretenimento duradouro.
Àquelas horas perdidas, a meia luz de um sol que tende a nascer alaranjado descobrindo entre as frestas da janela a imagem nua de quem ainda prolonga um relato abobado de histórias fictícias, daí se perde as falas trocando carícias depois da malícia antes que o sono venha nos buscar. Pensei por vezes naquele retrato meio obscuro, ficaria bem aquela imagem, ficaria guardado em pouco segredo sob aquele livro pesado de poemas que comprei depois do café que tomei pensando naquela imagem de olhares trocados e no que dizer em um próximo encontro. Mais meu telefone parou de tocar.
Compenso a vontade dessa imagem por momento com outras fotografias, esses estáticos dias de lembranças, dias em que capturo o tempo exato de quando estamos em sintoma de felicidade simples, basta um sorvete, uma pracinha, cachaça e limão, um som ligado, roupa no chão. Da pra lembrar o vento que esvoaça teu cabelo, enquanto chego bem próximo a você deixando que mais tarde ao admirar aquele retrato estático quase posso sentir mentalmente seu perfume daquele dia, ai em minha mente o teu sorriso tem som, tua boca tem gosto, o dia fica mais em vivo.

-Sabe o que me fez apaixonar?

Foi tímido, suave, meio descompassado, mas ainda assim era cheio de sentido ouvir você cantando Los Hermanos enquanto respirava em minha nuca aquela melodia cheia de bordões, ai eu pensei, “é bem aqui que quero estar”, esse pensamento tinha gosto de chocolate meio amargo, daquele potinho que não deixei sobra. Não existe meio termo em gostar, eu não gostei “disso” pelas metades, sou decidido quando lhe digo que pra mim tanto faz, desde que você esteja por aqui, não importa o sabor do sorvete, o filme em cartaz, se é dia ou noite, se é agora ou mais tarde, o que realmente me vale é poder apertar sua mão e sentir aquela força recíproca que serve pra evidenciar que ambos estamos realmente ali, que o mundo lá fora é só mais um detalhe a parte em nosso mundo particular.
Mas com o tempo vamos desleixando em alguns detalhes, as ligações vão se resumindo em pequenos diálogos noturnos dessa fatiga cotidiana, não se pode evitar o comodismo, mas bem que falta muito a tentar, tento deixar sem lógica as pequenas mutações que vêm ocorrendo a cada momento em que nos debatemos sujeitados a peculiar personalidade de cada um, algumas coisas ainda passaram por complexo demais para nosso intelecto tomar real dimensão de tudo, é ai que usamos a parte sentimental, deixamos as sensações fluírem sem precisar de razão ou porque delas estarem presentes ali. Venho freando-me quanto aos questionamentos constantes que lhe impunha, pois não quero sepultar o que ainda nem tive tempo de gerar e ver crescer o que poderia durar muito tempo, não tenha medo dessas dimensões por vocábulos, muito tempo não significa para sempre, mas mesmo assim ainda que no final sinta amargo que o que se estabeleceu foi pouco, haja mais tempo para desfrutar do que for possível, sem porém, sem medidas, apenas a vivência sem estágios pré estipulados.

- Me faz um favor?

Acredite mais nas possibilidades, creia no que ainda não pode ver, mudanças são cabíveis a qualquer um, basta força de vontade, você pode me enviar uns quantos cigarros para me distrair, mas a cada trago o pulmão se arfa e o ar queima pesado pelas narinas, as vezes trago por odiar tua maneira de existir, logo em seguida te amo por não ter deixado de vir e me dado sorrisos fartos.
Mas se for para ser assim, então apenas passe por mim, mas passe como um arrepio medonho, me faça contorcer, suspirar alto, faça minhas pernas ficarem tremulas e minha cabeça revirada, deixe meu coração em ataque cardíaco antes de partir, e quando enfim você se for eu terei marcas em meu corpo, algo que eu possa ver por mais algum tempo, passe por mim sem medo de ficar por um tempo se sentir-se à-vontade, lembre de deixar recordos, deixe algumas fotos sobre a mesa para que eu possa chorar de saudades, deixe as lembranças impregnadas por onde passamos juntos, mas quando for embora deixe meu coração, você não precisara mais dele, deixe junto ali um pouco mais de tempo, tempo suficiente para que eu possa ficar bem.

“Nada vai me desanimar.”

Eu sempre vou tentar um pouco mais sobre você, só os covardes não vão além. Exceto você, você não faz tipo covarde, mas também não o vejo indo além. Ainda estou esperando minha consciência apagar as marcas de sua boca da minha alma, apreendendo a lidar fácil com tudo isso como você aparenta ter nascido sabendo, não é justo que você vá e que algo seu não fique para traz fazendo com que você sinta a perda de maneira significativa.
Espero que você não me ache egoísta, que me perdoe por nestes momentos sentir desprezo por você, mas é o que tenho capacitado a me proteger, então por vários segundos enquanto aperto os olhos ardido eu lhe maldigo, “idiota insensível”.
Queria lhe ouvir chorar em meio a soluços, queria ver seus olhos avermelhados e brilhantes, sentir teu coração partido, tocar tua expressão triste enquanto lhe fito com minha face fria, eu choraria com você se me escancarasse seus medos surreais, queria juntar teus cacos e ensinar sobre tempestades que lavam a alma, e segurar tua mão mais forte enquanto escutamos o sussurro da calmaria nos avisando não haveria epitáfio neste pequeno capítulo.
Eu me sinto fatigado e os pensamentos perdidos servem de alimento para a alma vazia, aquele sol do amanhecer não transpassa estas lacunas, não me iluminam os olhos, mais um ou duas ou quem sabe quantas pragas lhe rogo afim de que seu arrependimento seja contexto de um próximo parágrafo.
Eu poderia esperar por você, mas minha paciência não condiz tanto com meu signo. E do mais, o que mudaria? Eu apenas me sentiria mais culpado por não sei o que, culpado e idiota, enquanto talvez você estivesse sorrindo por ai aos teus amigos deixando esvair de sua mente qualquer pensamento ligado a mim, me esquecendo aos poucos.  
Veja pequeno, estou agora me arrumando para sair, alguém me pediu um abraço, eu estava sem animo e ainda não havia dado tempo para esse gesto, não pude entregá-lo por motivo qualquer, de certa forma estou me sentindo mais feliz que ontem por estar quebrando algumas regras que se estabelecem naturalmente, sou eu quem sempre faz questão de passar por todos os estágios de um pós-parto, mas hoje eu pretendo sair e ser a pessoa que você consegue enxergar além deste meu eu.
Estou lhe deixando por aqui, repousando em várias faces estáticas destas lembranças felizes, sob a forma de retratos que tirei e guardei no fundo da minha gaveta.
Não espere dias mais claros e pensamentos menos turvos, não espere pela tranqüilidade infinita, nem pela lógica do mundo, viva. Estes nossos pensamentos futuros podem nunca vir a acontecer.

               

“Obrigado
Por eu ter te amado
Com a fidelidade de um bicho amestrado
Pelas vezes que eu chorei sem vontade
Pra te impressionar, causar piedade.”


Não sou feito de acaso.


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