sábado, 3 de setembro de 2011

Entre o que eu quero e o que posso viver.

       Quando me degustei daquela boca insana, mergulhei em proporções que outrora pareciam mais fartas, mas foi ao sentir tua saliva quente viscosa, misturada a cerveja amarga que encontrei em mim memórias frias e severas de final de julho, era hora de rir escancaradamente para não chorar de covardia.
            Nesta hora o nó que estava atando a garganta me sufocando desde sempre se desenrolava ao buscar a sincronia de uma língua ágil e desesperada, sua dona era solitária visto pelo que apresentara a mim, tinha em si uma silhueta obscura de burguesia boemia e medrosa estagnada a uma vida insegura de prazeres secretos e culposos impostos pela sociedade politicamente correta, isso ainda me fortaleceu o desejo casual de consentir ao pecado teu, aliviando lhe da proposta imposta de suas formalidades sexuais reprimidas, era um espetáculo armado onde as apresentações decorridas deixaram um palhaço despido e deprimido a mercê de um público que mendigava pela graça de alguns sorrisos, mesmo que os mesmo coubessem em um rosto pálido e irônico.
            Em meu íntimo pensamento me martelava a idéia de que o outro que partira há poucos dias agora busca levar contigo de bagagem uma crua realidade hipócrita oferecida de bandeja pela “minha” vaga idéia de sociedade formalista e retraída, me vêm à certeza de que em dias passados este fora bem mais cruel e verdadeiro quando chegava manso me fitando sublime e de forma peculiar, era onipresente mesmo não estando ali, naqueles dias de remanso eu gostaria de ler seus pensamentos, sendo eles os mais serenos ou os mais maquiavélicos que se podia deduzir pelas suas expressões faciais ou seu vago olhar, eu assim poderia sentir-me mais confiante no que dizer na cena seguinte, porém enfim continuei com os cigarros habituais e agora a realidade estava desnudo na cama de alguém, acompanhado e ao mesmo tempo sozinho pra dar ênfase a sensação melancólica de saudade, enfim era mesmo covardia misturada a desespero que nos atirava a um abismo de clichês que nem ao menos fazem sentido.
            Quando buscava conforto em mim, estava apegado a uma figura real que lhe fartava determinados anseios, mas acho que mesmo assim ainda buscava outros, eu fui assim por um tempo teu porto imponente seguro e continuei tentando outras soluções para o que fazia falta a tua idéia de bons sonhos em dias de pranto. Depois com o tempo de certa forma fui desaparecendo em finais de tardes fadigadas onde as coisas não mais passavam do casual, um café, um cigarro, cinco minutos de companhia, daí então me perdi em meados de memórias quentes de um inverno frígido de fim mês, agora estou embaraçadamente desconfortável roçando em uma pele que nem era tão quente e que nem ao menos fazia desatar de meu mundo passado, pessoal e peculiar. 
            Minha boca amarga o último gole destemido depois de desprendido da língua fervorosa que percorria as minhas extremidades mais intimas nuas, a noite era quente, mas naquele espaço sem fim habitava mesmo era uma frustração gélida, depois do carnal vêm à sensação de continuar estagnado à mesmice dos desejos, sozinho entregue ao clichê de acender um último cigarro antes que a noite termine, antes que eu vista roupa para partir, “até nunca mais”, pretendo tentar dormir subitamente e crer cegamente que ao acordar seria você dormindo profundamente ao meu lado, confortável a mercê de qualquer atitude real, viável as minhas mãos e não mais só em meus sonhos, entre nós só mediria alguns poucos centímetros de respiração tranqüila de um sono pesado arfado de dias mais cansativos, estaríamos enfim vivendo nosso sonho particular, uma a dispor dos cuidados do outro, estaríamos vivendo.
            Tenho pena das almas solitárias que buscam a contemplação da vida no espírito livre e cheio de luxuria de outros, estes encontraram apenas desapego, desconforto o desamor, a realidade estará despida para seus olhos imaturos fazendo com que os sonhos se assemelhem a realidade e nós mesmos não saberemos mais distingui-los, viveremos sonhando ou sonharemos com o gosto da vida, estes que ainda não sabem amar serão solitários sobreviventes da casualidade mundana, pois também não foram amados, se alguém lhes entregasse um coração oferecendo o desconhecido e intrigante emaranhado de sensações agregadas a tal sentimento, se encontrariam boquiabertos de espanto buscando explicações que talvez fossem irracionais ao que lhes foi imposto, é um misto de insanidade e felicidade, de malicia e inocência.
            Agora mais aliviado depois saciar temporariamente o que estava inquieto em mim desde sempre, pude desviar meus pensamentos a idéia absurda de que pós ali viria à calmaria imediata, mas minha lucidez foi tomada depois dos suspiros arfantes e gemidos gritados, pelo ato eu poderia deduzir se não estivesse ali que alguém estaria morrendo, e de certa forma estava realmente, os dois, cada um da forma mais cabível, se perdendo na casualidade assentimental do momento. O erro exato de toda história foi ter me desprendido de meus pensamentos naquele instante, voltando ao realismo da cena do quarto a meia luz, não havia mais clímax, nem tão pouco excitação, nem muito menos haveria romantismo a seguir por minha parte sendo eu quem sempre fui, que este não esperasse de mim a fuga de seu retiro solitário e nada empolgante, em alguns minutos seguintes eu não estaria mais ai, e ao partir não lhe estenderia a mão para tirar-lhe de sua masmorra, nem tão pouco voltaria a afagar-lhe os anseios carnais de uma alma desesperada, o quarto voltaria a ficar vazio, e suas noites seriam a desejar que outras assim não voltassem a acontecer.
           
- Meu nome?
Com um último lapso de coragem e esperança de uma proximidade vaga me ofereceu um sorriso de canto sujeitando-se pela derradeira vez a meu desdém, me indagando. E eu por vez, nem ao menos vacilei, ou repensei no que dizer.
- Me chame de “alguém”.
Ouviu-me pelas costas.
- Adeus até nunca mais.


            “Em cada segundo eu posso criar um novo futuro, mas não posso apagar o que construí de meu passado.”

Rafael Augusto

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