segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Oração de Despedida.



Era para ser uma simples despedida de fim de noite, lá pelas quatro e pouco, depois de uma transa pouco convincente, de uma troca subjetiva de fluídos corporais, e de um diálogo sobre nossas íntimas pendências, ela decidiu a um não mais um “meio termo” de nosso convívio , e partiu, o que era pra ser um simples “até amanhã”  não soou de tal forma. Sem ao menos pestanejar ou tão pouco vacilar, seu jeito manso naquele instante se voltou ao típico ser bruto e frio quando me deixou sentado na borda da cama no quarto a meia luz, sentindo o lençol ainda quente apertado entre uma das minhas mãos enquanto a outra acariciava desesperadamente meu cabelo desregular, adiante a porta se fechava de maneira grosseira sem deixar espaço pra qualquer diálogo desesperado de reconciliação ao qual coube em outros momentos de irracionais ocasiões.
Seus passos que antes eram apressados, rígidos e previsíveis, donos de um próprio mundo, agora ecoaram de forma passiva a cena anterior, se arrastando de forma indecisa e melancólica, ao som de uma música qualquer da nossa seleção favorita ao fundo, dando espaço para uma cena dramática de qualquer filme favorito nosso, pareceu inevitável não chorar naquele momento, a penumbra silhueta que adentrava o vazio final, dobrando a última esquina corredor alcançando enfim uma escadaria sem fim estava tão cabisbaixa e solitária quanto eu pude imaginar. Ela partiu antes da hora, levou com ela meu calor, alguns retratos, e o último cigarro que acendera depois do orgasmo fingido.
  Ainda nem eram cinco quando comecei a planejar o próximo passo do começo de semana boêmio que decorreria com certeza a partir dali, eu não poderia fugir do clássico clichê previsível de finais de relacionamentos, só não me abusei de um balcão qualquer porque realmente não desejava um público tão mais com aparência de falecido do que eu. Em um lapso de vácuo lógico me encontrei tragando e degustando compulsivamente o sabor de uma vodka ardida e amarga da última noite de bebedeira, nunca fui fã de vodka, mas naquele momento eu poderia refletir dando exatidão imediata que desde sempre também nunca fui um grande apreciador de despedidas prematuras.
No canto pouco iluminado a mesinha de forro xadrez avermelhado se impunha para mim de maneira simpática de forma a me mostrar que sobre ela ainda parava sutil algumas outras quantas fotografias recentes, um envelope branco mudo e alguns papéis de carta com grafia ligeira, complexa e decidida desde algum tempo.
Agora depois de ler a carta e ter sujeitado a mais uma transa que se dizia forjada, fico perguntando complexado porque se entregara mais umas vez a mim, sendo que seria ali um ponto final do que vínhamos chamando de “sobrevivência”?
Usei enfim algo que li na carta explicativa para me confortar até certo ponto, coisas tristes me vêm de forma fácil na cabeça quando nem ao menos faço questão, posso descrever não com tanta exatidão o que ela dizia, mas lembrarei o que coube a mim entender o que me escrevera.

“Já era hora de deixarmos de lado nossa convivência adaptada para que ambos não se sintam sozinhos. Quando te vi pela primeira vez na mesinha do café da esquina, enquanto você lia seus intrigantes suspenses parecendo se perder entre eles me apaixonei de primeiro momento, mas foi quando você me sorriu e ofereceu companhia pro café é que tive certeza de que gostaria de sua estadia comigo por todos os outros dias seguintes, seus olhos me fitaram de maneira singela e provocante, aquilo me acendia a alma, e definitivamente me calava a solidão, eu me controlei até o ponto em que senti você respirando quente a milímetros de meus lábios e lá se foi o nosso primeiro beijo, tinha gosto de café e cigarros, tinha um gosto muito bom.
Com o tempo nossas aparências complexadas e nada viris foram se erguendo de forma muito perceptível, nossas noites não se definiam mais em prazer ou amor, existiam demasiados gemidos quentes e outros tantos sussurros delicados, juras e promessas de um sonho eterno que nos dois compartilhamos entrelaçados um ao outro em nosso pequeno mundo que chamamos de cama.
Não sei em que ponto paramos de sonhar, ou de fazer questão de enfeitar nosso dia-a-dia, você não mais me dedicava seus contos com tanta freqüência, e eu tão pouco fazia questão de procurar novas e futuras canções que seriam nossas, o que era íntimo foi ficando comum demasiado, foi quando percebi que sentia falta de você me adorando, acariciando e cheirando de maneira deslumbrada cada centímetro do meu corpo, me arrancando risos prazerosos enquanto alcançava determinadas curvas em mim. Os detalhes mais brilhantes que eu enxerguei em nós foram ficando de lado, então me decidi, decidi por nós dois não mais ficar por aqui, talvez assim sintamos falta um do outro, lembraremos de desejo incomum que compartilhamos outros tantos dias, mas que agora não passa do casual.
Não deixei de te querer, nem deixei de sonhar, o que estou deixando é uma parte de mim ai com você, espero que ainda cuide dela, talvez um dia eu lhe bata a porta lhe pedindo de volta algo que ainda pode me pertencer.”

Rabiscou ao final em rodapé algum meado de palavras que remetiam a uma das primeiras canções favoritas, assinou delicado, decidiu e partiu.

Eu fiquei espreitando de momento a momento as sombras por debaixo da porta, com duas metades de coração em mãos, uma minha e outra tua, esperando ouvir a fechadura girando a porta se abrindo e antes que você se aproximasse de um abraço eu já estaria sentido seu perfume doce outra vez me fazendo estremecer por nossos detalhes que não estavam tão perdidos assim quanto você queixara. Mas ao fim bêbado, largado e boêmio eu dormi, rezando e suplicando a Deus para não acordar sem que você estivesse ali. 

domingo, 7 de agosto de 2011

Onde os Anjos ainda não tem vez.

Achei que seria prazeroso sair mais uma vez de casa e esperar que o calor e a luz ofuscante do sol me revigorasse, que o dia ia ser o mais brilhante de todos os tempos, então me expus. Daí então antes de sair me olhei umas quantas outras vezes perdidas no espelho mudo, esperando uma resposta qualquer de onde eu deveria ir, eu olhei firmemente em meus olhos, meu queixo estava rígido, e a garganta um tanto seca. Encarei mais alguns segundos uma silhueta pálida que me remetia coisas não tão agradáveis quanto eu queria, ela não me sorria e nem tão pouco fazia algum esforço para que eu sorrisse também.
Uma vontade escandalosa de me aquietar embaixo do chuveiro em um desabafo frio e confortante ao gélido piso mudo me veio do mais intimo possível, eu queria mesmo ficar ali, largado, talvez um cigarro ou outro para me fazer lembrar tantas outras coisas, aos olhos do espelho mudo precipitei que figura pálida ali me consentia a fazer o mesmo, e de tempo a tempo o dia que eu enxerguei cabível de raios quentes e de essência alegre foi ficando obscuro, se turvando e desmanchando se na imagem de uma noite pesada, bandida, e vazia.
Em minha mente vagarosamente foram adentrando pensamentos secos e eloqüentes, aqueles olhos pequenos de cílios negros que me fizeram perder o fôlego tantas outras vezes voltaram a me encontrar, daí então fui espatifando o que vestia e deixando o sossego que veio tardio ir embora devagarzinho, mas eu tinha pressa, agora pensava no cheiro de sua camisa colada contornando levemente a silhueta mais desejada dos últimos tempos, isso sim me vazia tremer.
O vapor do chuveiro começava a embaçar todo o clima, e turvar ainda mais a visão do que era real ou surreal ali, não fazia frio nem calor neste momento, apenas existia um vazio estremecedor que me encaminhava água a baixo, o toque da pele quente no azulejo frio não era desagradável como outras vezes, era quase a mesma sensação de que senti quando me veio em recepção desagradável a noticia de que nosso encontro de amanha estaria desmarcado pra um dia não mais cabível a mim ou a você.
Perdi-me por algum tempo ali, estagnado sem noção de momento, apenas ali, sem qualquer fator externo me incomodando, a não ser a música melancólica que soava agradável ao clima, o que me incomodava realmente e sem previsão de ir embora era o que vinha de dentro, isso sim, rasgava as entranhas de minha alma sem pestanejar ou vacilar por qualquer momento, quando essa dor vinha se misturava com a nostalgia de outros tempos já superados e fazia questão de me mostrar o quanto ela era exata e suprema, acho que nunca me acostumarei com ela.
Continuei ali pelo tempo indeciso que precisei e até onde suportei o sufoco entre os cigarros e o vapor quente apertando meus peitos, eu queria um abraço, um conforto, sentir frio ou calor junto a alguém, queria me arrancar o ar enquanto abusava do arfar de outro alguém, então lhe telefonei.
Agora diante do espelho novamente couberam palavras mais sensíveis do que eu lhe vinha dizendo de forma a soar sutil, mas de certa forma com um interesse vazio agregado, eu sei que dou outro lado alguém sorria enquanto eu lhe convidada a pertencer a um mundo que ainda não era só meu, eu quase podia lhe ouvir sorrindo abafado e lhe enxergar arfando pesado de vontade recíproca, eu lhe ofereci conforto que outros tempos me pedira chorando, lhe ofereci braços, mãos, lhe ofereci um corpo fadigado e vazio, e você entendeu como sendo o “tudo” que você cobiçara desde muito tempo, e mais que de imediato consentiu que viria até mim.
O telefone se calou, eu me concentrei em vestir qualquer roupa que lhe fizesse acreditar que eu era o mesmo de sempre, que eu era frio, amável e inconseqüente, mas isso não bastava, acho que meu brilho estava ofuscado de forma muito perceptível a qualquer um que me conhecesse pelas metades. E mais cedo do que de costume você bateu a minha porta, mas como sempre foi tarde pra qualquer coisa, meus sorrisos forjados caíram, tão rápidos quanto meu corpo em seus braços, eu ouvi metade do que você disse e outra metade não me acompanhou, eu estava pensando em historias de amor, em meus filmes favoritos, em músicas que falavam por mim, eu só estava ali pela metade, a metade não tão boa de mim, estava a ver navios.



- Eu lhe abracei apertado, ainda molhado, lhe pedi desculpas imediatas e insanas, ele consentiu e compreendeu, pra alguém que me desejava desde outros dias sei que foi de ingenuidade que ele me sorriu e pediu que eu lhe chamasse de volta quando eu fosse dono de mim mesmo, e assim partiu pra voltar só quando lhe oferecesse algo que ele cobiçava de verdade.

Desculpa, até o dia em que couber mais alguém aqui.