Era para ser uma simples despedida de fim de noite, lá pelas quatro e pouco, depois de uma transa pouco convincente, de uma troca subjetiva de fluídos corporais, e de um diálogo sobre nossas íntimas pendências, ela decidiu a um não mais um “meio termo” de nosso convívio , e partiu, o que era pra ser um simples “até amanhã” não soou de tal forma. Sem ao menos pestanejar ou tão pouco vacilar, seu jeito manso naquele instante se voltou ao típico ser bruto e frio quando me deixou sentado na borda da cama no quarto a meia luz, sentindo o lençol ainda quente apertado entre uma das minhas mãos enquanto a outra acariciava desesperadamente meu cabelo desregular, adiante a porta se fechava de maneira grosseira sem deixar espaço pra qualquer diálogo desesperado de reconciliação ao qual coube em outros momentos de irracionais ocasiões.
Seus passos que antes eram apressados, rígidos e previsíveis, donos de um próprio mundo, agora ecoaram de forma passiva a cena anterior, se arrastando de forma indecisa e melancólica, ao som de uma música qualquer da nossa seleção favorita ao fundo, dando espaço para uma cena dramática de qualquer filme favorito nosso, pareceu inevitável não chorar naquele momento, a penumbra silhueta que adentrava o vazio final, dobrando a última esquina corredor alcançando enfim uma escadaria sem fim estava tão cabisbaixa e solitária quanto eu pude imaginar. Ela partiu antes da hora, levou com ela meu calor, alguns retratos, e o último cigarro que acendera depois do orgasmo fingido.
Ainda nem eram cinco quando comecei a planejar o próximo passo do começo de semana boêmio que decorreria com certeza a partir dali, eu não poderia fugir do clássico clichê previsível de finais de relacionamentos, só não me abusei de um balcão qualquer porque realmente não desejava um público tão mais com aparência de falecido do que eu. Em um lapso de vácuo lógico me encontrei tragando e degustando compulsivamente o sabor de uma vodka ardida e amarga da última noite de bebedeira, nunca fui fã de vodka, mas naquele momento eu poderia refletir dando exatidão imediata que desde sempre também nunca fui um grande apreciador de despedidas prematuras.
No canto pouco iluminado a mesinha de forro xadrez avermelhado se impunha para mim de maneira simpática de forma a me mostrar que sobre ela ainda parava sutil algumas outras quantas fotografias recentes, um envelope branco mudo e alguns papéis de carta com grafia ligeira, complexa e decidida desde algum tempo.
Agora depois de ler a carta e ter sujeitado a mais uma transa que se dizia forjada, fico perguntando complexado porque se entregara mais umas vez a mim, sendo que seria ali um ponto final do que vínhamos chamando de “sobrevivência”?
Usei enfim algo que li na carta explicativa para me confortar até certo ponto, coisas tristes me vêm de forma fácil na cabeça quando nem ao menos faço questão, posso descrever não com tanta exatidão o que ela dizia, mas lembrarei o que coube a mim entender o que me escrevera.
“Já era hora de deixarmos de lado nossa convivência adaptada para que ambos não se sintam sozinhos. Quando te vi pela primeira vez na mesinha do café da esquina, enquanto você lia seus intrigantes suspenses parecendo se perder entre eles me apaixonei de primeiro momento, mas foi quando você me sorriu e ofereceu companhia pro café é que tive certeza de que gostaria de sua estadia comigo por todos os outros dias seguintes, seus olhos me fitaram de maneira singela e provocante, aquilo me acendia a alma, e definitivamente me calava a solidão, eu me controlei até o ponto em que senti você respirando quente a milímetros de meus lábios e lá se foi o nosso primeiro beijo, tinha gosto de café e cigarros, tinha um gosto muito bom.
Com o tempo nossas aparências complexadas e nada viris foram se erguendo de forma muito perceptível, nossas noites não se definiam mais em prazer ou amor, existiam demasiados gemidos quentes e outros tantos sussurros delicados, juras e promessas de um sonho eterno que nos dois compartilhamos entrelaçados um ao outro em nosso pequeno mundo que chamamos de cama.
Não sei em que ponto paramos de sonhar, ou de fazer questão de enfeitar nosso dia-a-dia, você não mais me dedicava seus contos com tanta freqüência, e eu tão pouco fazia questão de procurar novas e futuras canções que seriam nossas, o que era íntimo foi ficando comum demasiado, foi quando percebi que sentia falta de você me adorando, acariciando e cheirando de maneira deslumbrada cada centímetro do meu corpo, me arrancando risos prazerosos enquanto alcançava determinadas curvas em mim. Os detalhes mais brilhantes que eu enxerguei em nós foram ficando de lado, então me decidi, decidi por nós dois não mais ficar por aqui, talvez assim sintamos falta um do outro, lembraremos de desejo incomum que compartilhamos outros tantos dias, mas que agora não passa do casual.
Não deixei de te querer, nem deixei de sonhar, o que estou deixando é uma parte de mim ai com você, espero que ainda cuide dela, talvez um dia eu lhe bata a porta lhe pedindo de volta algo que ainda pode me pertencer.”
Rabiscou ao final em rodapé algum meado de palavras que remetiam a uma das primeiras canções favoritas, assinou delicado, decidiu e partiu.
Eu fiquei espreitando de momento a momento as sombras por debaixo da porta, com duas metades de coração em mãos, uma minha e outra tua, esperando ouvir a fechadura girando a porta se abrindo e antes que você se aproximasse de um abraço eu já estaria sentido seu perfume doce outra vez me fazendo estremecer por nossos detalhes que não estavam tão perdidos assim quanto você queixara. Mas ao fim bêbado, largado e boêmio eu dormi, rezando e suplicando a Deus para não acordar sem que você estivesse ali.